Entre o que se vê e o que se ouve.

Ruído, de Sofia Dias e Vítor Roriz, Culturgest, Lisboa 10 a 12 de outubro de 2024

Rita Vilhena

 

® Bruno Simão

 

Algures entre 2005 e 2006, tive conhecimento do trabalho da dupla Sofia Dias e Vítor Roriz, quando estava a dirigir e a programar a Baila Louca, uma plataforma independente que dava visibilidade a criações e criadores emergentes em Roterdão, na Holanda.

Tenho seguido, mais à distância do que de perto, o trabalho de Sofia Dias e Vítor Roriz. Vi a sua primeira criação para a infância “Sons Mentirosos”, em 2022, no Teatro Lu.Ca, que explorava a relação mágica entre som e imagem, questionando como uma imagem pode enganar a nossa perceção de um som, e vice-versa. O espetáculo, destinado a escolas e famílias, brinca com a forma como sons e imagens interagem, desafiando as nossas sensações e perceções.

Ontem fui ver “Ruído” na Culturgest, também em Lisboa, que me absorveu por completo. Leio, a posteriori, na descrição da peça: “O ruído tanto representa o nada, o irrelevante, o que perturba e polui, como também o caudal de informação significativa que (ainda) não conseguimos apreender.” O tema foi desenvolvido no contexto em que a dupla de coreógrafos se enquadra, em residência desde 2023, em processos de investigação interdisciplinar, em sinergia com investigadores do Champalimaud Center for the Unknown.

“Ruído” é uma peça de dança contemporânea que explora tão bem a questão efémera do som como a dos seus corpos: qual é o corpo desse ruído? Onde habita o som? Conseguiram convidar-me a entrar, a sentar e, depois, a juntar-me a eles em palco. Dancei o que via, o que podia ver e o que imaginava. Juntei um pouco de realidade para criar mais ficção — uma ficção de gestos interrompidos, inacabados, virtuosamente cortados e recuperados. Uma dança com cinco intérpretes que tinham tanto de diferente como de comum: Connor Scott, Lewis Seivwright, María Ibarretxe, Natacha Campos, Vi Lattaque, corpos ecléticos de realidades muito distintas que formavam uma aldeia, um coro. Cinco mais um! O Vítor trouxe a palavra legendada, tiras de papel com frases, palavras e composições que se formavam e se desconstruíam numa performance paralela, juntando-se ao ruído visual, que tinha tanto de criativo quanto de ilustrativo do que era dito.

Os figurinos de José António Tenente compunham o diálogo de negro e subtilizas tonais de cinzentos, sugerindo a complexidade que um ruído pode gerar. Este diálogo de cores e texturas era unânime em toda a cenografia.

“Ruído” é uma peça elegantemente montada que nos abre e acolhe num universo poético-sensível, deixando-nos mais felizes por irmos ao teatro.

 

Rita Vilhena é coreógrafa, intérprete e investigadora de dança contemporânea e performance. Em 2005, criou e dirigiu Baila Louca – improvisação e performance (em Roterdão, Holanda), em 2017, deu início à Partícula Extravagante e, em 2023, o palco experimental Partícula no Açúcar (em Lisboa, Portugal). É mestre em Artes Cénicas (FCSH), doutoranda em Estudos Artísticos-Arte e Mediações (FCSH) e Investigadora no ICNOVA – Performance e Cognição.

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